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Categoria: Coisa

Maria

Maria tinha seus vinte e tantos anos, ela era esperta, descolada e andava livre pela rua. Seus óculos escuros lhe davam um ar descompromissada, quase que coloquial. Caminhava pela feira de artesanato em um domingo ensolarado.
Seu corpo com algumas tatuagens, vestia um shorts curto ao melhor estilo, foda-se você. Maria procurava algo entre as barracas, queria um presente, mas não tinha muito dinheiro para comprar, gastará boa parte com álcool e comida.
Ela era fotografa e tinha os olhos acostumados a uma beleza grega, púbere, embora o que gostasse mesmo era um corpo marcado, colorido e confortável. Queria o diferente e com isso era indiferente às investidas de seus ou suas modelos.  Maria era bonita em seu jeito, charmosa e um pouco tímida para começar uma conversa, mas se soltava fácil, isso era verdade.
Outra coisa importante a se dizer sobre Maria é que ela era virgem não praticante e, além disso, acreditava em sexo no primeiro encontro. Afinal gozar a vida era preciso e algumas pessoas simplesmente não voltam.
Mas voltando a feira de artesanato, lá estava Maria, caminhando quando viu um ciclista pedalando em sua direção. Estranhou e pensou se de fato era na direção dela que o ciclista corria, sim era. Teve medo de ser atropela, mas no mesmo momento viu quem pedalava, era um homem lindo, seu tipo, seu número.
O ciclista se aproximava em zoom e a cada quadro Maria o desejava mais, penso em sair da frente para não ser atropelada, mas sua única reação foi abrir as pernas. Ele freou ali, com as rodas entre suas pernas e a cabeça inclinada para a sua boca, ele sorrio.
Maria, a esperta e a descolada que andava livre pela rua, pensou que talvez fosse uma boa hora para tirar o Santo Antônio do copo d’água.
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Cartola


foto Isaias Mattos
Ainda é cedo, e da janela vejo o horizonte contornando os prédios e os morros da cidade. Penso que mal conheço a vida e já sai por aí sem ao menos saber o rumo que irei tomar.

Presto atenção, mesmo sabendo que estou resolvido, pois em cada esquina é possível se perder. Talvez seja a forma desse mundo moinho me mostrar que sonhos só se transformam em realidade após muita luta, caso ao contrário essas ilusões são reduzidas a pó.

Só espero não deixar de crer no amor, pois com o tempo só se herda o cinismo, até que se percebe em um abismo, que cavastes com os próprios pés. 

*Um tributo a Cartola.

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Curvas

Às vezes sentado na sala escura me pego a pensar na estrada. De como é bonito ver o sol colorir as nuvens e como é bom se deixar levar pelas curvas sinuosas do asfalto. O verde que corre de costas pelo vidro do carro, a mão que brinca de peixe no vento, a cabeça que vai e volta em inúmeros pensamentos e aquele sono gostoso que pesa os olhos e alivia os ombros.

Anseio pela viagem e pelo desconhecido. Acho incrível a capacidade de algumas pessoas de saírem de suas casas com uma mochila, um bom sapato e muita coragem. Não vejo esse tipo de viajante em mim. Nunca foi de acampar ou de pegar caronas na estrada, mas isso não diminui o valor do caminho.

Muitos falam que a estrada é solitária, li isso em muitos livros também, mas a verdade é que a estrada recebe a todos que nela pisam. Claro que receber não é zelar, a estrada não pode se preocupar com o suor da sua testa ou o calo do seu pé. Nela você aprende mais sobre você, não só limites, mas também sentimentos e dor.

Nós passamos muito tempo fugindo da dor, nos dopamos na esperança que ela desapareça, mas no fim das contas, ela continua lá, a gente que vai aprendendo a ignorar. Dizem que isso faz de você alguém mais forte. Eu ainda acho que forte é quem encara a dor nos olhos, resolve as coisas e sai andando. Sei que isso pode ser mal interpretado e encarado como falta de educação, mas pense bem, educação de quem? Quem te ensinou a ignorar a dor?

A estrada não é feita de caminhos fáceis, talvez por isso ela me fascina tanto. Afinal nunca fui normal e sinceramente, nesse meu quarto de século, considero isso um elogio.

Qual o propósito da estrada? Ela é uma imagem densa, sem dúvida, um signo forte de liberdade, força e rompimento.  É como a esfinge de Tebas, é necessário decifrar ou se deixar devorar.

A estrada não se trata de uma fuga, se trata de um adeus.

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O manifesto da cidade grande


Eu vivo em uma época que o macho luta pela sobrevivência de seus antepassados e não por sua própria sobrevivência. Vivo numa mistura louca e incansável das décadas de 60, 70, 80 e 90. Todo mundo anda, mas ninguém sabe aonde vai. As coisas já eram confusas antes, agora isso é só um apelido. Os adultos não se encaixam nas novas posturas sociais, os jovens criticam o mundo como aquele velho rabugento do apartamento X, as crianças, em sua maioria, vivem cercadas de campos eletromagnéticos e tem a absoluta certeza de que o bom velinho é um pedófilo que só quer se aproveitar do seu pequeno corpinho.
Eu não sei onde eu vivo.                                                             Eu sei que hoje não é presente.
Ando pela rua tentando fugir da velocidade sufocante dessa porra de cidade. Na maioria das vezes acabo pisoteado por pessoas fantasiadas de testemunhas de Jeová. Sempre me perguntei o que será que eles viram de tão grave para se prenderem em cintos e gravatas. Caminho e sou atropelado por carros, motos, pessoas, velhas, bebês, pássaros-ratos. Sufoco.
A bondade foi precificada em dízimos.
Esse texto parece o anseio de uma fuga, uma reinversão de valores e então gritar fujam para as montanhas me parece algo sensato. Respiro com dificuldade. Caralho. Até para respirar bem eu tenho que pagar. Minha indignação é sufocada por ruídos, ruídos reverberados pelas estruturas com mais de três andares, estruturas que deceparam visão da cidade, visão que falta a todos.
                   Quem foi que botou a chuva nos meus olhos?
Não é de hoje que pais de família vão para rua em busca de uma rola imensa, em busca de um travesti ativo, em busca de uma prostituta altiva, em busca de um copo de pinga. Em busca de algo que em algum lugar, escrito há milênios atrás, reescrito por milhares de pessoas, reinventado de acordo com os mais diversos interesses. Algo que é proibido, que é doce, que é quente e que desce com dificuldade pela garganta.
Proparoxítona                                        Cinco silabas                                                Desilusão.
*Texto escrito após a leitura do primeiro parágrafo de um livro e ao som de um dos álbuns da banda Best Coast.
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Chuva

Aaron Kawai (sekushy)

Lembro-me de um livro que se chamava “A propósito da chuva”, não me lembro do que se tratava, mas sei que o li quando ainda estava no ensino fundamental. Eu era um garoto estranho, de aparelho, acima do peso e triste.

Sei que quem me conhece e lê o Nome da Coisa dirá que é mentira, pois já me viram arrancar tantos sorrisos, mas isso é por que de fato fazer outra pessoa sorrir é algo mágico pra mim e eu gosto quando vejo a boca se horizontalizar, isso me faz bem.

Teve uma vez que eu quebrei um vaso de cimento, que minha avó cultivava umas plantas, com a cabeça de uma prima minha. Ela chorava. Eu sem pensar duas vezes me joguei da escada mais próxima e ela riu. A verdade é que eu sempre soube cair, talvez seja meu corpo acostumado a ser roliço, então fazer aquilo, embora parecesse loucura, era algo simples para mim. Ela gargalhava.

Quando eu olho para o meu passado eu percebo que já me joguei muitas vezes dessa escada a fim de fazer alguém sorrir.

Existe um poema sobre um palhaço que ao se despir vai explicando sobre as tristezas e fraquezas por detrás do nariz vermelho. Identifico-me.

Sou triste sim, mas sou feliz também, acredite, coexisto bem nesse espaço dramático. Gosto de músicas sobre as desilusões da vida, da estética depressiva do cinema francês ou ainda dos lamentos das canções de marinheiro.

A verdade é que eu sempre fui assim, um cara estranho, que mesmo triste, sorri.
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