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Categoria: São Paulo

Casa

Calça jeans rasgada estreita na altura da canela, mas um pouco folgada na sua cintura. Camiseta preta e longa. Moletom cinza com capuz e ziper. Barba por fazer. Cabelo raspado. Fones nos ouvido sem nenhuma música. Tênis escuros de sola branca meio encardida.

Caminha sob um piso de granito também encardido. Cada passo em um ritmo calmo, inspira… Expira…

Foi até o guichê e comprou dois bilhetes, desviou de desconhecidos e inseriu um deles na catraca, deixou-se rodar. Caminha para direita simplesmente por que sempre fazia isso, desceu as escadas com pressa, deixando o peso do seu corpo em queda puxar o ritmo. Aterrissou num chão sintético, preto com bolhas pretas, antiaderente. Caminhou até o final da plataforma.

Ouviu de longe o atrito entre o trem e os trilhos, seu corpo parado no exato lugar em que a porta viria a se abrir ao toque de uma campainha rápida de dois tons. Projeta seu corpo para o banco da janela no sentido que o vagão seguirá os outros vagões.

87 quilômetros por hora, é a velocidade média em que a cidade corre para trás da janela. Os olhos vidrados no nada, a melancolia de um espaço público transformado em um momento de isolamento. Os problemas passam nesses 87 quilômetro por hora.

Levanta o corpo imóvel a mais de 20 minutos e se põe em frente a porta, ao ouvir a campainha rápida de dois tons atravessa a plataforma sem correr e entra em um novo vagão. Sentido oposto, sem espaço para sentar se coloca ao lado da porta. De pé. Olha as minúcias das pessoas em sua volta. Três estações se passam e seu corpo já sabe o caminho para aquela ingrime escada rolante que termina em roletas e pessoas que veem e voltam como ondas.

Tira os fones do ouvido com um sorriso calmo no rosto, vesti o capuz do moletom e sai pela esquerda enquanto some nesse mar de pessoas.

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O manifesto da cidade grande


Eu vivo em uma época que o macho luta pela sobrevivência de seus antepassados e não por sua própria sobrevivência. Vivo numa mistura louca e incansável das décadas de 60, 70, 80 e 90. Todo mundo anda, mas ninguém sabe aonde vai. As coisas já eram confusas antes, agora isso é só um apelido. Os adultos não se encaixam nas novas posturas sociais, os jovens criticam o mundo como aquele velho rabugento do apartamento X, as crianças, em sua maioria, vivem cercadas de campos eletromagnéticos e tem a absoluta certeza de que o bom velinho é um pedófilo que só quer se aproveitar do seu pequeno corpinho.
Eu não sei onde eu vivo.                                                             Eu sei que hoje não é presente.
Ando pela rua tentando fugir da velocidade sufocante dessa porra de cidade. Na maioria das vezes acabo pisoteado por pessoas fantasiadas de testemunhas de Jeová. Sempre me perguntei o que será que eles viram de tão grave para se prenderem em cintos e gravatas. Caminho e sou atropelado por carros, motos, pessoas, velhas, bebês, pássaros-ratos. Sufoco.
A bondade foi precificada em dízimos.
Esse texto parece o anseio de uma fuga, uma reinversão de valores e então gritar fujam para as montanhas me parece algo sensato. Respiro com dificuldade. Caralho. Até para respirar bem eu tenho que pagar. Minha indignação é sufocada por ruídos, ruídos reverberados pelas estruturas com mais de três andares, estruturas que deceparam visão da cidade, visão que falta a todos.
                   Quem foi que botou a chuva nos meus olhos?
Não é de hoje que pais de família vão para rua em busca de uma rola imensa, em busca de um travesti ativo, em busca de uma prostituta altiva, em busca de um copo de pinga. Em busca de algo que em algum lugar, escrito há milênios atrás, reescrito por milhares de pessoas, reinventado de acordo com os mais diversos interesses. Algo que é proibido, que é doce, que é quente e que desce com dificuldade pela garganta.
Proparoxítona                                        Cinco silabas                                                Desilusão.
*Texto escrito após a leitura do primeiro parágrafo de um livro e ao som de um dos álbuns da banda Best Coast.
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3 de Copas

Eram três andando pela rua. Sorriam.

Caminhavam entre os prédios altos e as ruas estreitas da capital, a sombra dos prédios mantinha o caminho gelado, assim como a chuva provocada pelos inúmeros aparelhos de ar condicionado.

Já tinham quase trinta, mas ainda eram crianças, empurravam um ao outro como quem, por graça, faz o outro perder o equilíbrio. Eram amigos, confidentes… amantes.

Encontraram-se há pouco tempo, antes disso andavam separados a procura de um, mas foi nas curvas do dois que acharam suas metades. Definitivamente eram plural.

Na rua andavam sem medo, viviam acima de tudo. O povo em volta por sua vez temia. De alguma forma a existência daqueles três os amedrontava, o desejo de expurgar aquilo do todo era maior, maior que o amor que poderia existir fora dos limites da normalidade.

Aqueles três não eram homens ou mulheres, eram apenas crianças com seus quase trinta.

Os prédios não são feitos para as crianças.

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Renata


Logo que eu a vi meu coração deu três pulos. A regata amarela mostrava levemente seu ventre quando levantava os braços. Cabelos bagunçados, lápis no olho e boca seca.
Sorriu com o canto da boca quando percebeu meu olhar.  Sua perna coberta por um jeans rasgado tocava a minha. Enrubesci. Ela destacava-se entre os vagões.
Tinha um ar imponente e ao mesmo tempo casual, suas unhas vermelhas e o allstar branco já sujo do dia-a-dia, ampliavam este ar de garota urbana. Sem frescura. Bruta e suave.
Quis dar-lhe um beijo, mas só me restou a timidez. Quis dedicar-lhe momentos mais longos, dobrar o tempo e estender a margem, deitar em teu colo e lamber-te de baixo pra cima. 
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Dragões de fumaça

http://www.flickr.com/photos/leonardovilela
Pela janela eu vejo os pássaros voarem. Me deparo com o meu reflexo e as lembranças do passado se materializam quando a minha iris encontra a iris da minha imagem.

São quinze para o meio dia e minha mente viaja. O barulho do motor ainda não venceu o cantar dos pássaros. Minha boca seca pensa no corte igualmente seco da minha história. Sempre fui de matar dragões e isso te deixa meio áspero. Talvez por isso memórias se tornaram afago.

Não sei ao certo em quanto tempo o sol vira lua, mas sei que durante esse tempo imaginário minha vida se desfez e nasceu de novo por diversas vezes. Águas passadas sempre caem no mar, salgam a boca e viram ondas de crista branca.

O volume dos carros começa a vencer o dos pássaros.
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