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Tag: crônica

Um sábado qualquer…

Hoje acordei meio zonzo. Na verdade acho que ainda estava dormindo, meus olhos colados provocavam meu tato em busca do celular, o mundo gritava enquanto eu dormia, mas eu não acordava.
 
Tentando me encontrar no meio de tantas ocorrências uma janela se abre, minha visão se organiza em focos. Bom dia, dizia ela. Me chamava para tomar café em sua companhia. Eram sete da manhã de um sábado frio, mas ensolarado.
 
Vesti-me de forma a ficar bonito pra ela, era um jeito bobo e simples de presenteá-la pelo convite para o café matutino, caminhei pelas ruas vazias e molhadas pelo orvalho. Corpos destacavam-se e bamboleavam pelas calçadas do centro. Cachorros alvoroçados pulavam. Ela estava para no jardim, olhei pra ela xingando-a com um sorriso no rosto. Braços se entrelaçaram.
 
Comemos, tomamos, conversamos, rimos e enquanto tantos dormiam nossas vozes rasgavam o silêncio calma da manhã. A cidade despertava aos poucos, como se enrolasse na cama ainda tentando dormir. Nós rimos.
 
Numa das esquinas do centro nos despedimos, caminhei pelas ruas ainda molhadas pelo orvalho, organizei a casa, acendi um incenso e pela primeira vez a muito tempo me senti pleno de mim.
* Imagem por Leco Vilela.
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O reflexo de um homem

Existia um rosto pintado no reflexo do espelho, uma pele branca com traços leves, sobrancelhas azuis e um preciso nariz vermelho. Na intimidade do reflexo seus olhos se cruzaram e pelo vácuo de milésimos de segundos ele era apenas um homem que não se reconhecia.

O estranhamento de ver seu rosto tomado por uma substância branca a qual ele não era familiarizado. Nada ali era próxima da sua realidade, parecia ter acordado em um sonho, antes de acordar de fato.

Tomado pelo milagre do tempo, ele parou, e parado ele se mantinha com o olhar vago para aquela imagem refletida.

Quando um palhaço deixa de ser um palhaço?

Pra onde vai o palhaço quando ele não é mais um palhaço?

O que ele faz?

Ele existe?

O tempo se passa e o palhaço sobrepõe novamente o homem, desenha uma gota em seu olho direito, levanta-se fugindo do espalho e sai em direção à lona.

Ouve-se aplausos e risos.

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Eu sou a chuva

Queria que a chuva limpasse meus olhos e me fizesse enxergar dentro de mim um caminho. Queria poder caminhar numa rotina sem dramas e tramas, mas parece que Deus só me deu dúvida.
Onde estar? O que fazer? Como escrever? Estou farto dessa névoa que acomete minha visão, catarata que turva minha estrada.
São tantos caminhos.
Cabe-me a observação de que até a maior estrela explode, brilha e se apaga. E mesmo sabendo disso, não me acalma o peito acelerado.
Queria a certeza da árvore que mesmo podada cresce seguindo seu rumo, enquanto os homens se iludem que sua importância é tal que as plantas não existiriam sem eles, zeladores do pouco verde que deixaram.
Eu vejo a teia de possibilidades pelas linhas da minha mão áspera, destinos cruzados e amores rasgados.
Noto em mim a imaturidade da negação, nego-me o dever de aprender a me poupar, escondo de mim mesmo o caminho certo pra sair dessa adolescência monetária.
Eu sou minha própria chuva, minha catarata e minha dúvida.
* Imagem do espetáculo Donka – Uma Carta para Tchekhov.
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