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Categoria: Conto

O homem invisível

 
Penso em um homem ultimamente, ele usa um terno preto, uma camisa branca com a gola aberta, seus sapatos brilham. Ele tem o corpo suave, simples, másculo. Seu cabelo é negro e seu queixo largo.

O procuro entre os corpos da paulicéia e não o encontro. Não sei seu signo, seu nome, seu endereço. Eu nem o conheço. E mesmo assim vejo-o, desejo-o e sinto-o ao fechar meus olhos.

Sonho com ele a cruzar a rua, com a voz roca a soar leve em minha nuca. Quem é você?

Quem sou eu? Eu que espero por um homem invisível. Um homem feito de um sonho capturado pelas minhas pupilas cerradas.

Quem és tu?… Tu és o nada.

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A Lembrança

Por Leco Vilela

Hoje passei em frente a casa do meu primeiro namorado, primeiro mesmo, daqueles que se anda de mãos dadas no parque.

O sol forte a iluminar meu rosto, me faz voltar uns quatro ou cinco anos. Lembrei-me de nosso primeiro encontro, ele havia cozinhado para mim, ainda sinto o gosto dos legumes banhados no azeite com alecrim. 
O cheio forte e característico, tomava conta de praticamente toda casa, o incenso que queimava na sala misturava as fragancias com harmonia.

Depois do vinho e do jantar me pos deitado em sua cama, tirou minhas roupas deixando em meu corpo somente a cueca que se salientava. Me abraçou, me beijou e sorriu, dormimos assim com o peito colado a sentir as batidas sonoras de um coração.

E assim como veio, se foi. Uma nuvem havia coberto o sol, me trazendo de volta dos meus devaneios. Percebi o quanto eu evitava mimos e carinhos desse meu herói Guarani. Não é que eu não gostasse ou me irritasse com seu toque, era algo que no intimo só percebo agora. O avesso ao carinho do toque era falta de hábito, fruto de uma infancia fria e desabitada da mão que corre a face em gesto lento.
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Vida Imaginária *

Xavier Dolan
Havia chegado à França naquele mesmo dia, deixei as malas na república que logo se tornaria meu lar. Após a socialização com os outros moradores resolvi dar uma volta pela cidade. Era outono em Paris, o vento soprava forte, fazendo com que as flautas doces na mão das crianças parecessem tocar sozinhas.
Andava sem pretensão alguma, andava valorizando o sonho tão desejado que se tornara realidade. Após quase uma hora e meia de caminhada com o vento cortante batendo no rosto, resolvi parar naquele charmoso café na Rue St Honoré. Sentei-me sozinho, pedi um Tarte Tartin e um expresso gourmet. Degustava-me com a sensação de liberdade que nunca foi minha. Respirava aquele aroma com um sorriso leve de criança a me tomar os lábios. Olhei para lado.
No fundo do café uma mesa agitada, aquela língua rápida e afiada que eu pouco conhecia. Definitivamente eu estava na Europa, o falar agitado com as mãos, as gargalhadas sonoras, os goles de café e o cigarro a descansar no cinzeiro. Tomei coragem, a coragem de um viajante sem passado e sem futuro. Fui até a mesa. Todos ali pareciam ter a minha idade e perceberam a minha chegada, não demorou muito e aquela levantada de cabeça revelará um rosto familiar.
Demorei a me lembrar de onde conhecia aqueles olhos, aqueles lábios, a curva daquele pescoço. De repente como num baque surdo me percebo na frente de Xavier Dolan e seus amigos. Fico ligeiramente sem palavras. Acabo por emitir um sonoro “Sorry!”. Ele sorri do meu jeito desajeitado e eu sem perceber sorriu, respondendo aquele gesto. Disse que o conhecia que adorava seu cinema e seu jeito de ver as coisas. Compartilhava de algumas fotografias que ele valoriza em seus trabalhos. Ele sorriu novamente e o “merci” tomou conta de meus ouvidos. Disse até logo e voltei ao meu lugar, tomei um gole tão grande de café que senti meu tórax queimando por dentro. Enquanto disfarça a dor que o café quente me proporcionará senti um leve toque no meu braço. Era ele. Sorrindo novamente, me informou de uma festa que fariam mais tarde, me passou o endereço e anotou meu telefone. Fiquei sem jeito, pois não conhecia ninguém, ele colocou a mão nas minhas costas me deu um beijo em cada bochecha e disse ao pé do meu ouvido “vous me connaissez”.

Naquela noite, perdido em meu primeiro dia em Paris, me vesti com meu jeito brasileiro de ser e fui a tal festa. 

* O título “Vida Imaginária” faz referência aos devaneios internéticos de René Piazentin e ao filme “Amores Imaginários” de Xavier Dolan.

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São Paulo

Foto por Leco Vilela

 
Existe alguma coisa em São Paulo que me expõe de uma forma suave, mostra minha história e cada história de sua longa vida.

Existe algo nesse ar, nesse vento. Talvez seja o dióxido de carbono misturado com o ozônio do fim da tarde, ou talvez seja só a minha pele que o vento toca diferente.

Imagina que cada janela acesa durante a noite tem sua história, seu conto, sua crônica. Eu imagino, e nesse exato momento uma mulher está fumando um cigarro, repousada na janela de um apartamento no centro.

São Paulo é terra de santo, mas com seu inferno particular, talvez seja essa a dicotomia que me agrade tanto, ou talvez seja só o vento que a minha pele insiste em sentir diferente.

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Canibalismo

Respiro, em tempos sem umidade essa é uma tarefa difícil. Abro a janela em busca de ar, o vento bate suave e frio no meu rosto. A noite parece fria, mas mesmo assim meu corpo sua.
Em gotas sinto o calor descer a espinha dorsal do meu corpo, provocando um arrepio estranho. É nessa hora que o mocinho deve acender seu cigarro?… A cena pede isso.
Confuso deixo a janela aberta e vago com meu corpo nú pela casa, olho dentro da geladeira e não encontro nada que me encante, que alimente essa necessidade de algo sem cor e sem nome. Talvez, mas só talvez eu não queira nada. Talvez, mas só talvez eu queira eu. Eu queira vivificar meus sonhos e anseios.
Falta-me coragem e o suor continua a me correr nas costas, aumentando a minha necessidade de mim mesmo, quero comer-me.
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