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Vamos andando pra casa…

Tenho escolhido o caminho mais longo para os destinos mais próximos, sinto falta de andar em silêncio pelas ruas e esse pequeno ato de rebeldia me permite aproveitar um pouco o meu espaço interno enquanto ando mascarado por vias públicas.

Você já reparou que os pelos do nossos corpos se viram pro sol? E a gente aqui achando, na insignificância das nossas rotinas, que só o Girassol tem tal pacto. 

Da brisa leve ao vento forte que arrasta meus cachos para trás dando volume a mata que nasce da minha cabeça. A roda do carro na asfalto da rua vazia fingindo ser onda de mar sereno. As conversas picadas das pessoas que passam, me interesso por quase tudo que me é permitido no espaço de quatro passos até me distanciar novamente dos objetos.

Tem outra padaria que fica mais longe, penso ao me aproximar do primeiro destino. Olho distante calculando o trajeto versus a quantidade de pessoas na rua. Decido mudar meu objetivo, mais tempo para desviar dos buracos das calçadas assimétricas de São Paulo. Mais sola de sapato gasta. 

Pessoas são estranhas na sua individualidade, é um ato de coragem, transformar tais estranhezas em histórias que empatizam. Um investimento feito em parcelas de tempo. Exige conversa. Não à toa, a alquimia que leva do preconceito ao pós-conceito fica restrita aos poucos que se demonstram interessados pela arte milenar da escuta. Deixar os ouvidos abertos, martelos e bigornas expostos, em uma porção de horas, não minutos, jamais segundos. Algo assim não é possível ao caminhar sozinho pela rua.

Teria que ter um convite. Ei! Você, desconhecido, quer caminhar comigo? Me conta sobre a sua vida. O que você pensa? Com qual lente você escolhe enxergar o mundo? Que livro vocês está lendo? Você prefere livro de papel ou kindle? No cinema, depois de um dia cansativo, você escolhe um filme cabeça ou uma comédia leve? Um filme de distr-ação? Num dia frio, Netflix embaixo das cobertas, ou colocar uma roupa quente e deixar o rosto secar com o ar gelado na fila de algum teatro no centro da cidade? E depois que tudo acaba? Você me convida pra voltar andando pra casa? 

O tempo, restrito a olhos nús, se prolifera com tamanha facilidade quando entra em contato com a disponibilidade do outro. Acho que nesses casos deve ser uma reprodução assexuada por brotamento.

Chego ao meu destino e ao me deparar com a volta me questiono, voltar pelo caminho mais curto? Ou retomar meus passos e trocar meu tempo pelo caminho mais longo?

E você estranho? Por qual caminho você vai?

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