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Categoria: Crônica

Casa

Calça jeans rasgada estreita na altura da canela, mas um pouco folgada na sua cintura. Camiseta preta e longa. Moletom cinza com capuz e ziper. Barba por fazer. Cabelo raspado. Fones nos ouvido sem nenhuma música. Tênis escuros de sola branca meio encardida.

Caminha sob um piso de granito também encardido. Cada passo em um ritmo calmo, inspira… Expira…

Foi até o guichê e comprou dois bilhetes, desviou de desconhecidos e inseriu um deles na catraca, deixou-se rodar. Caminha para direita simplesmente por que sempre fazia isso, desceu as escadas com pressa, deixando o peso do seu corpo em queda puxar o ritmo. Aterrissou num chão sintético, preto com bolhas pretas, antiaderente. Caminhou até o final da plataforma.

Ouviu de longe o atrito entre o trem e os trilhos, seu corpo parado no exato lugar em que a porta viria a se abrir ao toque de uma campainha rápida de dois tons. Projeta seu corpo para o banco da janela no sentido que o vagão seguirá os outros vagões.

87 quilômetros por hora, é a velocidade média em que a cidade corre para trás da janela. Os olhos vidrados no nada, a melancolia de um espaço público transformado em um momento de isolamento. Os problemas passam nesses 87 quilômetro por hora.

Levanta o corpo imóvel a mais de 20 minutos e se põe em frente a porta, ao ouvir a campainha rápida de dois tons atravessa a plataforma sem correr e entra em um novo vagão. Sentido oposto, sem espaço para sentar se coloca ao lado da porta. De pé. Olha as minúcias das pessoas em sua volta. Três estações se passam e seu corpo já sabe o caminho para aquela ingrime escada rolante que termina em roletas e pessoas que veem e voltam como ondas.

Tira os fones do ouvido com um sorriso calmo no rosto, vesti o capuz do moletom e sai pela esquerda enquanto some nesse mar de pessoas.

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Três Minutos

São três e trinta e sete da manhã. Noite quente de verão, na rua passa dos 30 graus. Acordei a pouco devido ao calor, minha mente não conseguiu aliviar a tensão e se permitir cair nas graças do inconsciente.

Faz tempo que não escrevo, os dedos parecem estar um tanto quanto enferrujados. Uma gota de suor roda por de trás do meu joelho e chega rápido ao meu calcanhar. São três e quarenta da manhã, já tomei um banho gelado e nada. Sempre durmo nu nessa época do ano, qualquer micro centímetro de tecido além do lençol faz com que meu corpo mine.
 
Noite turva hoje, não consigo ver o céu direito, mesmo com as luzes apagadas do lado de fora, poucas estrelas brilham. Volto pra frente do ventilador, são três e quarenta e três, eu aumento a sua potência e sinto o vento artificial brincar com os pelos do meu peito.
 
Caminho até a geladeira e procuro por algo que não existe, ansiedade, acabo por me contentar com uma imensa garrafa d’água. Engulo tudo e deixo escorrer um pouco pelo meu corpo, confesso que desde criança amo a sensação d’água gelada encontrando o caminho pela minha pele até o chão. São três e quarenta e seis.
 
Já escrevi tantas histórias ao passar dos anos, chega uma hora que parece que seu corpo seca. São três e quarenta e nove. As histórias não fazem mais parte de ti, talvez seja hora de ser menos Frida Kahlo e mais Salvador Dalí. Talvez … 
 
Minha bateria logo vai acabar, acho bom ficar por aqui. São três e cinquenta e dois de uma madruga tão quente que me despertou.
* Imagem por Derek Fernandes.
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Um sábado qualquer…

Hoje acordei meio zonzo. Na verdade acho que ainda estava dormindo, meus olhos colados provocavam meu tato em busca do celular, o mundo gritava enquanto eu dormia, mas eu não acordava.
 
Tentando me encontrar no meio de tantas ocorrências uma janela se abre, minha visão se organiza em focos. Bom dia, dizia ela. Me chamava para tomar café em sua companhia. Eram sete da manhã de um sábado frio, mas ensolarado.
 
Vesti-me de forma a ficar bonito pra ela, era um jeito bobo e simples de presenteá-la pelo convite para o café matutino, caminhei pelas ruas vazias e molhadas pelo orvalho. Corpos destacavam-se e bamboleavam pelas calçadas do centro. Cachorros alvoroçados pulavam. Ela estava para no jardim, olhei pra ela xingando-a com um sorriso no rosto. Braços se entrelaçaram.
 
Comemos, tomamos, conversamos, rimos e enquanto tantos dormiam nossas vozes rasgavam o silêncio calma da manhã. A cidade despertava aos poucos, como se enrolasse na cama ainda tentando dormir. Nós rimos.
 
Numa das esquinas do centro nos despedimos, caminhei pelas ruas ainda molhadas pelo orvalho, organizei a casa, acendi um incenso e pela primeira vez a muito tempo me senti pleno de mim.
* Imagem por Leco Vilela.
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O garoto que cansou de correr

Desde pequeno ele ouvia que era preciso correr atrás do dinheiro. Pobre garoto não só ouvia como também via a correria forte atrás desse tal dinheiro.

Cresceu vendo adultos brincando de empurra-empurra pra entrar no trem lotado, olhava querendo entender as regras desse jogo tão chato, pensava isso, pois todos pareciam irritados.

Os anos passavam e o tal garoto foi vendo os amigos planejando o futuro, alguns queriam brincar de médicos, outros construir prédios e ele não sabia ao certo o que queria, então por inércia seguia caminhando, descobrindo o mundo desbravando os pequenos sonhos que se punham em sua frente.

Já era um adolescente e a vida o forçava mais pela corrida do din-din, cinema, fliperama, namoro, comida, balada… Ele parava, olhava para tudo aquilo e parava.

Nunca fez muito sentido pra esse garoto ver tantos corredores de dinheiro com tanto medo de perder tudo que mal viam por onde andavam. Ele gostava de caminhar, de dançar, de ler e de sonhar, mas novamente por inércia correu, embora não pelo mesmo objetivo, mas correu.

Essa criança, adulto virou, e dessa vez parou de vez. Virou pro lado e deitou na grama, olhou pro céu e respirou fundo. Dormiu.

Quem ainda corria olhava e dizia mais um Zé Ninguém. Ele ali deitado sonhava, acordava, dormia, sonhava, virava, pensava, resmungava, pensava, sonhava…

Demorou seu tempo e então levantou, deu as costas pra pista e foi subindo a colina que muita gente temia, estava sem medo, sem dinheiro e sem dúvida ou dívida. Seguia, o garoto já adulto caminhou e nunca mais pra corrida voltou.

Há boatos de que ele continua um garoto que caminha, dança, lê e sonha. Enquanto os outros, pelo dinheiro ainda correm.

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Eco

Ao acaso um convite, a ausência de uma voz e a necessidade de um tempo. Disse sim. O nervosismo antes do palco, o descontrole da bexiga, a respiração descompassada e meu nome soa no microfone.
Apresento-me desajeitado e tento na medida do possível conversar com todos ali sentados, como se tivesse entre amigos. Tantos olhares. Respiro fundo.
Primeiro o título, depois o parágrafo e assim se faz.  Nas risadas deles enxerguei um humor invisível pra mim. Achei graça em ter graça com frases simples.
Foram alguns minutos, rápidos minutos, que me estamparam um sorriso no rosto. Ainda guardo a sensação das minhas bochechas rubras.
Entre estranhos e conhecidos, li pela primeira vez meus mais secretos segredos. Compartilhei pedaços de mim, me ecoei.
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