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Categoria: Crônica

CRASH

Ensaio – Foto por Carolina Loureiro de Brito
Eram quase cinco da manhã e aos poucos o azul do céu clareava. 60 Km/h. Minha mente vazia e embriagada corria. 90 Km/h. O choro veio como que por inércia, apareceu sem ser notado ou até mesmo convidado.
Meu corpo estava a 150 Km/h. Meu pé pesava contra o pedal. Era o silêncio seguido por uma chuva fina de cacos de vidro.
E como uma bailarina, o carro rodopiava, dando um salto para o seu cavalheiro. Foram três rodopios capotados. O cinto abraçava minha cintura larga. O choro seco me atormentava, tive medo de respirar. No final da dança eu estava inteiro, intacto, ileso…
O que me deixa mais feliz é saber que na hora em que morremos é tudo tão rápido que mal sentimos.

*Dedicado a Felipe Paludetti e Vicente Júnior

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Ontem


Caminho pelo asfalto úmido de uma São Paulo submersa, a luz amarelada do poste faz contraste com as ondas que as gotas que caem dos fios, provocam em uma poça.

Do meu lado direito a igreja escura de janelas claras e vitrais coloridos se mostra imponente. A estética de uma cultura banhada no fogo.

O vento gelado corta meu rosto e infla em balão a toca do meu casaco. Só sei dançar com você, isso é o que o amor faz. Meu fone enterrado nos tímpanos.

Jeans rasgado, e agora molhado, aperta a minha pele. Caminho com passos largos e explodo poças quando possível. Noite fria de inverno.
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Cega

E sem poder ver as horas, ela as tocou. Seus dedos acariciavam os ponteiros do relógio em seu pulso.
Era nove e vinte da manhã e o dia mal tinha começado. Ela caminhava com sua bengala tocando suavemente o chão.  Sonar de um morcego tão negro quanto seus cabelos.
Seu olhar branco mirava o nada, imenso vazio sem cor. E, no entanto, era como se enxergasse o mundo, janelas da alma aberta.
Cegueira branca é de quem vê e não encara o mundo olhos nos olhos.
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Oração

Ave, mesmo que não seja Maria, cheia de bondosa graça
Somos por vós.
Benditas sóis vós, assim como a todas as outras mulheres,
Bendito é o fruto que é de seu direito ter no ventre ou não.
Santa ou Puta Maria,
Mãe, mulher e menina.
Olhai por vós, as peregrinas,
Que se permita ao gozo eterno,
A livre barriga,
A denúncia
E a vida.
Amém!                   
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Faces da Liberdade

Foto de Marcelo Souza Almeida
 
Tenho ouvido batalhas, protestos, conflitos e gritos. Tenho visto o povo gritando e se agitando. Percebo a fúria de uma população que se acostumou ao silêncio. Uma panela de pressão pronta para espalhar feijão no teto.
Penso nos motivos e nos discursos, não se trata de liberdades coletivas, mas de liberdades individuais. O povo se agita e grita, pois cansou de negar a si em prol de um coletivo nuclear, que é atribuído de um sentido mágico de segurança.
Nas ruas eles clamam pela liberdade do próprio corpo, de se mostrarem como são por dentro, pela própria libido que lhes foi comprada. Pessoas morrem em nome de suas próprias vontades que são oprimidas por um aparato social precário e antiquado.
Direito ao útero, ao sexo, ao gênero, ao livre pensamento, ao amor livre. Apelos simples de almas que não querem ser regidas pelos pecados de outros.
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