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Categoria: Crônica

Quase carioca

Desenho de Luiz Porta

O ar comprimido pela maresia alta da maravilhosa cidade lhe causa vertigens.

Tinha os cabelos enrolados como ninho de pássaros, enquanto que seus olhos verdes se pareciam com o mar que se permite abraçar pela Baia de Guanabara.

Uma noite no Leme e outra na Lapa, seus lábios finos e ligeiros a narrar histórias. Era uma pele morena que mesmo estrangeira combinava com a atmosfera carioca.

Era em um bar da Lapa que estávamos escondidos entre Seixas e outros tantos Rauls. Nós bebemos a uma noite finita, sem necessidade de findar-se.
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Cabe o silêncio a certas coisas. É como tirar o pó dos móveis imóveis na sala de estar. Calado e atento eliminando cada milímetro de poeira que se esconde por de baixo das estatuetas.
Esse ritual lento de limpar as coisas é um reflexo da nossa necessidade de vida. É necessário levantarmos os órgãos para tirar o pó que se guarda por de baixo deles. O mundo me parece surpreso com detalhes que não se escondem em segredos, mas sim em atos corriqueiros que passam despercebidos.
A vida tem seus momentos confusos e conturbados, existem dores imaginárias que se mostram como flechas vermelhas que atravessam o estômago da gente. Existe algo que ainda dói, embora ainda não saiba bem o que ou onde essa poeira de dor se esconde.
Se limpa até mesmo embaixo das unhas. Um dia esse pó há de sair, nem que seja após cada molécula se tornar novamente pó.
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Macarronada

Alguns sábados caracterizados de domingo se escondem nos marasmos de fevereiro. Aqueles corações se suportam entre olhares e sonatas, suspiros e pastas. Abrem-se sorrisos amarelados enquanto o vinho, a cerveja e o café correm pelos lábios ácidos entorno da mesa.

A conversa se estica como a linha do café a escorrer no copo. Lembranças sem sotaque são expostas a portuguesa. As risadas quedam das bocas marcadas pelas histórias de uma vida inteira. Respiro entre os diálogos pensando nas palavras tortas que escorrem pelos dedos.
Acho engraçado essa dinâmica de entes próximos, as conversas soltas ao sugo. Duas faces que se colam, braços que se cruzam e o dedo estancado a chamar o elevador.
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Chuva Ácida

Ainda me pego a pensar na chuva que cai firme no chão. Existe uma variante quântica na forma como as gotas tocam meu rosto marcado por ângulos fortes.

Não sei ao certo o tamanho da mágoa que se acumula em meu peito, mas sei que boa parte se foi com correnteza que verteu das ladeiras asfaltadas. Em sonetos ácidos minha vida se resume e se expande. Desafio a física a cada respiro.

Louco, poeta e artista. Eis me aqui a contemplar o choroso céu se esvaindo no verão de pedra que só essa terra já batizada de garoa proporciona.

Rios que se enchem de desespero, cachoeiras que quedam com os sonhos de pau-a-pique e papelão. Vivo numa tangente que consome homens inteiros, reduzindo-os a um choro que rasga a pele suja.

Lá se vai mais uma vez a chuva e com ela tudo que lhe cabe levar. Aos excessos que escorrem pela sarjeta áspera da capital.
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Compulsões

Essa via de eternas luzes acesas que sangra o planalto da selva cinza, esconde seus segredos em formas anacrônicas.

Nem mesmo os frondosos arranha-céus serviram para que o macaco bípede alcançasse o céu e seus sonhos. Vejo sonhos transformados em hobbies, vejo dinheiro descendo pelo ralo e ainda tento entender a dança de king kong’s pelos prédios de São Paulo.

Bailarinos executivos e pintores contadores compõem a estranha fauna que aflora na cidade do asfalto. Chega a beirar o surrealismo as imagens que se produzem na sombra dos Homos Operarius. Formigas de terno e gravata enfeitam suas paredes com falsos Picassos e eternas rachaduras insolúveis. Basta-me ver o camaleão que se força a encaixar suas cores a palheta monocromática da sociedade “civilizada”.

Lampadas não iluminam mais, agora servem de sabres de luzes que matam inocentes. Estupro, morte, latrocínio, furto, homicídio; relatos sangrios direto D’antena que invadem os olhos cortados da infância.

Corações batem desesperados numa dança de acasalamento bizarra conduzida unicamente pelo prazer individual excluindo o respeito sagrado do corpo. Leões morrem sozinhos.

Caos e ovos mexidos. E as luzes do planalto da selva cinza ainda brilham a sangrar meus olhos.

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