Houve um tempo em que em minha inocência eu levava tudo em preto e branco, dicotomia simples e direta. Assim levava minha vida, objetividade dura. Sem nuance e sem profundidade na trama, corria pra que o tempo de amanhã chegasse antes do final de hoje.
Eu costumava terminar coisas antes mesmo de começa-las, amores, filmes, livros. Devorador inquietante. Vivia entre muros concretos buscando a não dor. A ausência do sofrer. Pasmem, mas pessoas que muito sofreram tendem a não querer sofrer mais. E nesse esconde-esconde de mim mesmo fui percebendo que ao fugir do sofrer eu me privava de vida. Autoflagelação. Ao fugir da dor eu mesmo a aplicava na veia.Primeiro eu mudei de muro, fui pra longe, pra muros novos. Depois comecei a derrubá-los aos poucos e deixando a luz entrar e banhar meus olhos.
Quando acostumados com a dureza do preto e branco, os olhos doem ao ver a luz.
Resumindo a ópera, o próprio caminho do rompimento com a parede dura causou lesões, cicatrizes que viraram sabedoria. Vida e tempo, amantes perfeitos quando se tem paciência. Vivi e estou vivendo.
Mesmo sabendo que o amanhã não será doce, escolhi aproveitar o amor que me vê nos olhos. Existe um certo peso em ler as linhas que ninguém vê. Assumi pra mim as cores, que aos poucos tocam minha pele nua na manhã de um novo dia.