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Autor: Leco Vilela

Esquizofrenia

Ele gostava de deitar com as pernas pra fora da cama e apoiá-las na janela, sentir o vento nos pés. Quando fechava os olhos este ato lhe dava a sensação de voo e assim ele sua cabeça recheada de problemas encontrava o silêncio.

Os pelos da sua perna arrepiavam conforme a brisa chegava, e quando abria os olhos via a copa das árvores balançando com ele. Gostava de se sentir assim, integrado com algo maior.

O Sol percorreu seu caminho e aquele homem se mantinha parado na mesma posição, abrindo e fechando os olhos em longas pausas. Era tudo o que ele poderia querer encontrar paz dentro dos seus delírios.

Ele ouvia vozes que não eram dele, tantas vozes que tornava impossível ouvir a própria respiração, mas neste ritual ele se encontrava. Era como se os sons voassem com o vento.


Para longe. Bem longe.

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07 de Março de 2014

Querido Diário,

Já faz quatro meses que eu estou desempregado, o primeiro mês foi sabático, necessário depois de trabalhar um ano inteiro em dois empregos para conseguir me arrumar em uma nova cidade.

Os outros três não foram por minha escolha. O duro de ficar tanto tempo em silencio, profissionalmente, é que você começa a questionar suas próprias habilidades laborais. Definitivamente somos nossos piores inimigos.

Depois de um tempo você começa a pensar em formas criativas de conseguir dinheiro, como vender qualquer coisa vegana nos eventos públicos de Porto Alegre. (risos). A verdade é que você ficar desesperado, não só pelas contas que sempre chegam o que todos nós sabemos, mas pelo marasmo do seu dia.

Escrever, sair pra fotografar, cozinhar, correr, você começa a ocupar seu tempo e quando percebe você não está com vontade de fazer nada daquilo, você só quer que a chuva passe e o emprego apareça.

Tenho 26 anos, já trabalhei com eventos, teatros, bares, agências, televisões, revistas e por ai vai e mesmo assim ainda me sinto um iniciante quando tenho que procurar um novo emprego. Alias, já inventaram um cargo em que sua experiência de vida paga bem? Se sim, eu to querendo! Por que se tem uma coisa que eu posso garantir é que eu sou rodado nessa vida, não tanto quanto eu gostaria, mas tenho minhas histórias pra contar.

Obrigado por me ouvir mais uma vez, meu querido Diário, eu estava precisando disso.

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O reflexo de um homem

Existia um rosto pintado no reflexo do espelho, uma pele branca com traços leves, sobrancelhas azuis e um preciso nariz vermelho. Na intimidade do reflexo seus olhos se cruzaram e pelo vácuo de milésimos de segundos ele era apenas um homem que não se reconhecia.

O estranhamento de ver seu rosto tomado por uma substância branca a qual ele não era familiarizado. Nada ali era próxima da sua realidade, parecia ter acordado em um sonho, antes de acordar de fato.

Tomado pelo milagre do tempo, ele parou, e parado ele se mantinha com o olhar vago para aquela imagem refletida.

Quando um palhaço deixa de ser um palhaço?

Pra onde vai o palhaço quando ele não é mais um palhaço?

O que ele faz?

Ele existe?

O tempo se passa e o palhaço sobrepõe novamente o homem, desenha uma gota em seu olho direito, levanta-se fugindo do espalho e sai em direção à lona.

Ouve-se aplausos e risos.

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Eu sou a chuva

Queria que a chuva limpasse meus olhos e me fizesse enxergar dentro de mim um caminho. Queria poder caminhar numa rotina sem dramas e tramas, mas parece que Deus só me deu dúvida.
Onde estar? O que fazer? Como escrever? Estou farto dessa névoa que acomete minha visão, catarata que turva minha estrada.
São tantos caminhos.
Cabe-me a observação de que até a maior estrela explode, brilha e se apaga. E mesmo sabendo disso, não me acalma o peito acelerado.
Queria a certeza da árvore que mesmo podada cresce seguindo seu rumo, enquanto os homens se iludem que sua importância é tal que as plantas não existiriam sem eles, zeladores do pouco verde que deixaram.
Eu vejo a teia de possibilidades pelas linhas da minha mão áspera, destinos cruzados e amores rasgados.
Noto em mim a imaturidade da negação, nego-me o dever de aprender a me poupar, escondo de mim mesmo o caminho certo pra sair dessa adolescência monetária.
Eu sou minha própria chuva, minha catarata e minha dúvida.
* Imagem do espetáculo Donka – Uma Carta para Tchekhov.
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Antônio

Antônio era assim, branco de seus 35 anos e cara de poucos amigos. A barba rala lhe dava um ar largado, facilmente confundido por vagabundo pelas senhoras da boa sociedade. 

Antônio era dono de uma loja de discos, no centro da cidade. Reduto da juventude que a muito tempo ele deixou de contemplar. Vivia assim, ouvindo seus LP’s e conversando sobre música com as poucas pessoas que ele suportava.

Antônio não tinha filhos e nunca havia se casado. Seus pais moravam em outra cidade e secretamente, ele gostava disso. Agora ele estava numa fase meio blues e ouvia de tudo, mas sua favorita ainda era a Bessie Smith, embora ele não admitisse em voz alta.

Antônio era chato. Ele não gostava das coisas que a maioria gostava e tinha lá suas manias. E pra ser sincero a única coisa que fazia Antônio sorrir, era quando a calcinha que usava por de baixo da calça jeans, atolava.

Assim vivia Antônio, com a calcinha cavada no cú ao som de “St. Louis Blues”.
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