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Categoria: Coisa

Três Minutos

São três e trinta e sete da manhã. Noite quente de verão, na rua passa dos 30 graus. Acordei a pouco devido ao calor, minha mente não conseguiu aliviar a tensão e se permitir cair nas graças do inconsciente.

Faz tempo que não escrevo, os dedos parecem estar um tanto quanto enferrujados. Uma gota de suor roda por de trás do meu joelho e chega rápido ao meu calcanhar. São três e quarenta da manhã, já tomei um banho gelado e nada. Sempre durmo nu nessa época do ano, qualquer micro centímetro de tecido além do lençol faz com que meu corpo mine.
 
Noite turva hoje, não consigo ver o céu direito, mesmo com as luzes apagadas do lado de fora, poucas estrelas brilham. Volto pra frente do ventilador, são três e quarenta e três, eu aumento a sua potência e sinto o vento artificial brincar com os pelos do meu peito.
 
Caminho até a geladeira e procuro por algo que não existe, ansiedade, acabo por me contentar com uma imensa garrafa d’água. Engulo tudo e deixo escorrer um pouco pelo meu corpo, confesso que desde criança amo a sensação d’água gelada encontrando o caminho pela minha pele até o chão. São três e quarenta e seis.
 
Já escrevi tantas histórias ao passar dos anos, chega uma hora que parece que seu corpo seca. São três e quarenta e nove. As histórias não fazem mais parte de ti, talvez seja hora de ser menos Frida Kahlo e mais Salvador Dalí. Talvez … 
 
Minha bateria logo vai acabar, acho bom ficar por aqui. São três e cinquenta e dois de uma madruga tão quente que me despertou.
* Imagem por Derek Fernandes.
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O Banho

Ele entrou pela porta do banheiro com ar cansado, suado do stress do dia. Largou as roupas no chão e se olhou no espelho, olheiras escuras lhe davam um ar de derrota, seu pau balançava pesado por entre as pernas, nem ele se animava.

Ligou o chuveiro e o deixou esquentar enquanto mijava um jato forte de urina amarelada. Dias pesados, pensou. Deu descarga e reparou no calor do chuveiro aumentar, vapor branco que se espalha no ar.

Entrando no box, seu corpo acostumava-se com a temperatura da água, a deixava escorrer entre os cachos e ofegava com a satisfação proporcionada. Sua pele sorria a cada gota que a percorria, uma espécie de orgasmo tátil.

Ele gostava de como a espuma se formava entre seus pelos, achava graça nas pequenas bolhas de sabão que o cobriam. Espuma grossa e um sorriso. Cansaço indo.

Lavava o pau como quem levava as mãos, com um caráter habitual e simples, puxava a pele e ensaboava tudo, gostava de ver a pequena cachoeira que se formava no final dos seus pentelhos.

Enxaguava o corpo a procura de outro orgasmo ao deixar a água correr sem pressa.

Ao se enxugar a aspereza da toalha lhe causa uma leve excitação, mas continuava o ritual de limpeza como se aquela circulação entre suas pernas fosse algo corriqueiro. Enrolou a toalha em sua cintura e passando a mão no espelho embaçado viu seu reflexo.

Seu corpo de cor de canela estava arrepiado, sorria enquanto escovava os dentes. Terminará o momento, voltou a pensar na vida.

* Imagem por Alyssa Monks.

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Esquizofrenia

Ele gostava de deitar com as pernas pra fora da cama e apoiá-las na janela, sentir o vento nos pés. Quando fechava os olhos este ato lhe dava a sensação de voo e assim ele sua cabeça recheada de problemas encontrava o silêncio.

Os pelos da sua perna arrepiavam conforme a brisa chegava, e quando abria os olhos via a copa das árvores balançando com ele. Gostava de se sentir assim, integrado com algo maior.

O Sol percorreu seu caminho e aquele homem se mantinha parado na mesma posição, abrindo e fechando os olhos em longas pausas. Era tudo o que ele poderia querer encontrar paz dentro dos seus delírios.

Ele ouvia vozes que não eram dele, tantas vozes que tornava impossível ouvir a própria respiração, mas neste ritual ele se encontrava. Era como se os sons voassem com o vento.


Para longe. Bem longe.

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Sou

Sou aquele que não chora e que não pode chorar.
Sou aquele que te entrega a rosa, mas nunca recebe.
Sou aquele que assim como outros milhares, apenas fornece o pão.
Sou aquele que quando o pau falha tem a identidade roubada.

Sou aquele que sempre precisa estar ereto, mesmo quando não tenho vontade. Sou o mágico ser que está sempre pronto para te atender nos seus anseios e desejos, mesmo quando eu não tenho vontade. Sou o ser que só goza, mesmo quando eu não tenho vontade.

Eu sou um homem que como outros homens, fui limitado. Você veste minhas roupas enquanto eu só posso ficar nu.

Sou o sexo forte, que supostamente deveria arcar com a vida de uma família, mesmo ainda sendo um menino. Sou o forte que viu milhares de iguais morrerem nas trincheiras. Sou aquele que diante da morte deve entalar as lágrimas e cavar a fossa.

Sou a pessoa que há 2013 anos está presa a convenções que me incitam a digladiar. Sou aquele que é medido por números, posses e centímetros. Sou apenas um velho rico, um garanhão jovem e uma conta corrente ativa.

Sou eu que mesmo sofrendo com a vida que levo, devo engolir o choro e nunca!… NUNCA! Mostrar-me frágil, correndo o risco de ser exposto ao ridículo julgamento social e ser tomado como fraco, não importa quantos leões eu tenha matado.

Sou pai, filho, avó, primo, tio, estranho, homem do saco, palhaço, bandido, marido, neto, padrinho, afilhado, sobrinho, puto, vadio, viado e bicho.

Carrego na minha garganta o sinal da minha maldição, osso do meu antepassado, que pra não ficar sozinho, cedeu até uma costela.

Sou o deus de uma sociedade hipócrita, que não aguenta mais os espinhos.

**Texto produzido para a terceira edição da Revista Rosa.
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A Folha


Escrevo, pois a cada linha que se forma me sinto leve, escrevo para falar dos meus demônios, dos meus desejos e dos meus anseios. São histórias que se findam curtas, mas de um processo longo.

Encontrei nas páginas um alívio profundo. Épico. Sinto-me bem ao retratar a chuva que cai suave e faz orquestra lenta na minha janela. A verdade é que em baixo de cada pedra existe uma história, seja minha ou de outros, o ato de repassá-las, as histórias, é recompensador.

Meus músculos escondem segredos que eu mascaro em folha branca.

Gosto do drama mais do que da tragédia, acho que é a minha ‘latinicidade’ latente. E por isso eu escrevo sobre o cotidiano torto que se esconde em cada janela, atrás de cada cortina.

Na esperança de talvez entender um pouco mais sobre o mundo e sobre mim mesmo. Passo horas olhando o nada e ouvindo tudo.
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