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Noturno

Hoje o dia acordou noturno,

A chuva que caia em peso,

Tonelada em meu peito ardia.

(São Paulo é linda depois da chuva,

Mas durante enche o saco, confesso.)

Eu respirava a contra vento

Em meu olho marasmo ia.

Existe algo no intervalo das gotas, algo que resta nos telhados e calhas,

No momento entre um gole e outro do vinho que finda.

Meu corpo nu ao pano branco, a janela aberta cantava em coral a sinfonia das gotas cinza.

Dois corpos e uma alma e meia. Lá se ia a noite transformar-se em dia.

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Um encontro entre dois passados

“Ele se punha ao banco próximo a bancada daquela padaria que se enchia de lembranças. Uma média e o pão de queijo como de costume, levou o copo a boca fechando os olhos.
Gosto de passado doce que assola a língua, e de sobressalto o passado se corporifica em um rosto geometricamente familiar. O outro a ser visto o reconheceu e sorriu. Nada foi dito ao final do olhar. Olhar que abraça, sorri e chora. Ele pagou a conta e foi embora.”
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“Eu ao pé da mesa largava minha mochila num baque grave. Era uma padaria daquelas modernas com sinetas eletrônicas pra chamar garçom. Costumava comer ali após o longo dia de trabalho.
Acho que só agora tomo a noção do baque forte provocado pela mochila pesada, aquele rosto memoravelmente familiar me olhava em interrogação. Era Antônio, ainda estava longilíneo e carregava uma ou duas rugas no canto dos olhos. Sentou em minha mesa e nas próximas 3 horas a conversa fluía como o rio que banhava nossos corpos de criança.”
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Desabafos pós morte

Não sei bem qual é a dor de estar vivo. Sinto-a. Vivo. O movimento acaba por ser inerente a minha vontade, não se trata de seguir em frente. Segue-se para os lados, para cima e para baixo. Somos polivalentes. Plurais. Racionais. Talvez seja esse nosso eterno erro.
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Lembro de quando minha avó fazia mingau de chocolate pra mim, ela sempre dizia a mesma coisa “Cuidado que tá quente! Deixa esfriar se não da dor de barriga”.
Nunca achei que essa frase fosse tão real, não que eu sentisse a dor de barriga depois de devorar todo um prato de mingau com toda a minha ansiedade contida num corpo redondo de criança, mas essa “dor de barriga” foi algo que eu só aprendi com o tempo, mesmo que eu queimasse a língua toda vez que eu atacava um prato de mingau.

Mas então os anos passam, os pelos crescem e você faz justamente o contrário do que sua avó já falecida dizia, se joga de cabeça num prato de mingau e depois de um tempo você percebe o estrago e ai sim vem a dor de barriga.

Mesmo utilizando essa história no sentido figurado das coisas, tento aprender que “esperar o mingau esfriar” é um virtude e pode mesmo nos ajudar.

*Foto por Vaka – Abril/2009

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Bangu

Estamos em término de processo com o “Meu Pé de Laranja Lima”. Acertando os últimos impasses técnicos e já a procura de locais para a apresentação, mesmo alguns estando pré-definidos. O processo foi bem interessante e caminhamos por um espaço criativo que motivou a experimentar e a expandir o papel criador, tanto no “ato” de atuar quanto na parte técnica de produção.
Pra quem não sabe ou não se lembra, já trabalhei com essa peça e nesse momento retomamos com uma nova roupagem, uma nova forma de contar essa história, e espero realmente que tenhamos os resultados que tivemos nas últimas apresentações, de preferência ainda melhores.
Essa história de uma criança que se torna “adulta” com seus 5 anos de idade, me remete a tantas coisas que acontecem nessa tal pós modernidade, tanto a questão do abuso infantil (sexual e trabalho) quanto ao infanticidio e a descaracterização sócio-sexual dos pré adolescentes da classe média. Mas ainda assim há história pra contar, há mágica pra se ver, ilusões pra se criar, e é por isso que estamos lutando.
Somos um organismo vivo e como aprendi nessa semana, muitas vezes nos deixamos cair por culpa de uma simples mitocôndria. (“O que nos faz infeliz e depressiativos é uma maldita mitocôndria” – Regina Rodrigues). Então o que me resta agora é continuar nessa roda gigante onde se empurra e é empurrado.

*Foto por Leco Vilela

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