Skip to content

Nome da Coisa Posts

Compulsões

Essa via de eternas luzes acesas que sangra o planalto da selva cinza, esconde seus segredos em formas anacrônicas.

Nem mesmo os frondosos arranha-céus serviram para que o macaco bípede alcançasse o céu e seus sonhos. Vejo sonhos transformados em hobbies, vejo dinheiro descendo pelo ralo e ainda tento entender a dança de king kong’s pelos prédios de São Paulo.

Bailarinos executivos e pintores contadores compõem a estranha fauna que aflora na cidade do asfalto. Chega a beirar o surrealismo as imagens que se produzem na sombra dos Homos Operarius. Formigas de terno e gravata enfeitam suas paredes com falsos Picassos e eternas rachaduras insolúveis. Basta-me ver o camaleão que se força a encaixar suas cores a palheta monocromática da sociedade “civilizada”.

Lampadas não iluminam mais, agora servem de sabres de luzes que matam inocentes. Estupro, morte, latrocínio, furto, homicídio; relatos sangrios direto D’antena que invadem os olhos cortados da infância.

Corações batem desesperados numa dança de acasalamento bizarra conduzida unicamente pelo prazer individual excluindo o respeito sagrado do corpo. Leões morrem sozinhos.

Caos e ovos mexidos. E as luzes do planalto da selva cinza ainda brilham a sangrar meus olhos.

5 Comments

Uma linda mulher

Seus olhos claros e límpidos a destacavam na turva realidade do dia-a-dia. Ela costumava sorrir a quem lhe cruzasse o caminho, de alguma forma sentia que ajudava quando fazia isso.
Não estava de toda errada, afinal ao ver o quadro perfeito que envolve seu sorriso e acentua seu olhar singular homens e mulheres pareciam receber o toque de um anjo.
Ela era assim, amável, carinhosa, e por que não angelical? Mas assim como Terezinha, não demorou muito e foi ao chão, de anjo passou a demônio, de menina do vestido branco virou Geni. Aqueles olhos que antes lhe agradeciam sorrindo hoje a repudiavam em carrancas.
E a origem desse ódio desmedido e dessa raiva inconsciente era uma simples vírgula que ocupava o lugar do traço. Ela não havia mudado e mesmo assim ouvia em coro termos xulos ao passar na rua, eles é que haviam mudado.
Nada mais de sorrisos e nada mais de olhares, somente uma ira ancestral que culminou na morte por apedrejamento da bela moça, aquela que morreu por conta de uma vírgula, de um simples erro gramatical.
Leave a Comment

Vitrola

Eu por Regina Vilela

Cresci entre sons opostos e paisagens diversas, enquanto numa vitrola Joplin cantava as injustiças de uma vida, na outra o lamento do fado de minha avó tocava. Nem dois passos eu dava e lá estava os acordes de uma guitarra a se misturar com o som da cuíca.


Lembro de olhar entre as grades brancas do portão enferrujado a bateria da Nenê  que descia aos domingos. Recordo ainda do cheiro de peru, da letria na mesa de natal, da calda que escorria do manjar e do bordo do vinho a contornar a taça em movimento.


Recordo da água com açúcar, do beija-flor, das violetas, da hortelã que nascia ao pé do limoeiro e do barulho da máquina fotográfica mudando o frame.


Foi exatamente toda essa oposição, toda essa lacuna, que me fez assim, meio passado / meio futuro.

3 Comments

Pedra, Papel e Tesoura

Eu por Regina Vilela

Abri os olhos, o ar entrou em meu pulmão, expandindo minha caixa torácica me dando uma sensação de rompimento forte, chorei. Desde que com a garganta narrei minha primeira dor, como quem já soubesse o caminho cortei o cordão que nos ligava instintivamente. Cresci e com isso vieram as mudanças, e com elas mais cortes em cordões que me ligavam a grande árvore da minha história.
De repente, o processo virou hábito, cortava sem ao menos perguntar por que, sem necessidade de um motivo, cortava como se aquele fosse um movimento de inércia que nunca findava, me sentia como Eduard com suas lâminas afiadas e frias. A cada corte um galho caia, uma história se ia, uma lembrança partia.
Foi cortando impetuosamente minhas linhas e meus cordões que me vi pelado em meio a floresta que se fazia noite ao meu lado. Ao redor os restos de uma história em cacos. Quando dei por mim o quebra cabeça estava feita aos meus pés.
Minha cabeça em silêncio gritava: “Aquele que sempre soube usar a tesoura, agora terá que aprender a usar a cola”.

1 Comment

O contador de nuvens

Foto por Leco Vilela

Ele andava distraído como quem conta as nuvens do céu, caminhava pelas ruas desertas de uma cidade cheia de vidas. O sol lhe batia leve no rosto transformando seus olhos em faróis castanhos a ilustrar seus passos. Um sorriso leve lhe dominava a face.


Andava com as mãos nuas a balançar como um pêndulo para fora dos bolsos. O movimento hipnotizava o olhar do outro. Este caído pela beleza dos faróis castanhos, se viu obrigado a seguir os passos daquele que o encantaram. Passos rápidos e respiração ofegante. O admirador hipnotizado alcançou o contador de nuvens através do toque, um leve toque nas mãos.

Recebeu o toque sem susto, olhou através do olhar de seu admirador e sorriu. Sorriu como se já conhecesse o toque que se fazia presente. Entrelaçaram os dedos e caminharam juntos pela cidade vazia.
1 Comment