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Tag: crônica

Oceano

Foi sentado numa duna olhando o mar que eu entendi. Aquele sentimento que bate no peito toda a vez que meus olhos cruzam com a imensidão azul.

Gratidão, paz, acolhimento, pertencimento, etc. Entendo a fixação de Neruda pelo mar, seus joguetes de palavras, suas cadências em ondas, seu ritmo de remo em cada sentença.

Darwin presumiu que evoluímos, que num momento longínquo da história dividimos o mesmo útero com todos os outros seres, o oceano. Talvez seja por isso todos esses sentimentos que se resumem em clichês, esses momentos de inspiração, aquele conforto de dormir semi nu cercado de areia. Tamanha a segurança que sentimos diante dessa deusa com seu véu azul que estoura em conchas.

Mãe, rainha e criadora, obrigado pela vida que me deste e obrigado pelo dom de tecer palavras assim como aqueles pescadores que colhem em rede seus frutos.

Obrigado por dar-me o pão e a água.

Obrigado por me ensinar a fazer parte.

Obrigado por me deixar te amar.

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Uma carta aos que tem mais de 40

Olá, tudo bem? Aqui as coisas estão mais ou menos, até por isso lhe escrevo.

Quem vos fala é um homem de seus quase 29 anos, que aproveita o momento chave na vida para relembrar as palavras de Elis, a quem já entrou nesse novo mundo de maturidade, “O novo sempre vem”.

A verdade é que me aproveito da minha posição privilegiada, de adulto jovem, para conversar com você, que já chegou ou passou dos 40. Ao longo dos anos eu vi você ter que ficar cada vez mais no presente, em como gerenciá-lo, ajustá-lo, organizá-lo, enfim prestar manutenção ao hoje e estar certo de que tudo funciona. Acredite eu vi bem e acho essa tarefa linda e extremamente necessária para a humanidade.

O problema é que, quando estamos focado na manutenção do agora dificilmente enxergamos as possibilidades e as alternativas que o futuro nos trás. Até porque o dia só tem 24 horas, não é mesmo?

É por isso que eu gostaria de reforçar a vocês que “O novo sempre vem”, não porque eu seja um hippie chato, um eco chato, um jovem chato, mas só porque eu entendo que as respostas pro nosso hoje estão no amanhã dos mais jovens que eu.

Por isso gostaria de propor um desafio, e se a partir de hoje, quando um jovem falar de uma ideia você realmente ouvisse? Eu entendo que você está acostumado a tornar real, mas algumas ideias ainda são embrionárias e não tem um ambiente favorável para serem maturadas, até mesmo porque isso precisa de tempo. A verdade é que focados no hoje não percebemos os erros que cometemos, ou ainda uma forma mais sustentável de fazer as coisas.

Nossa vantagem é que temos o jovem para olhar pro amanhã e nos alertar dos males que virão. Então por favor, você que já passou dos 40, por mais difícil que seja, ouça os jovens. Vejam pelos olhos dele, enxerguem as lutas que eles estão lutando e tentem, por favor, entender. Prometo que assim nosso futuro hoje será melhor do que o agora que hoje temos.

Abraços repletos de carinho e gratidão pelo trabalho tão importante que vocês executam.

*PS: Ao divulgar esse texto recebi alguns comentários questionando a minha associação do comportamento conservador as pessoas com mais de 40 anos. A verdade é que considerei os dados demográficos das eleições para prefeitos de 2016, nesse cenário o recorte demográfico que elegeu candidatos de extrema direita ao longo do país iniciava nesta idade. Uma das sugestões era de alterar o título para “Uma carta aberta aos Conservadores”, pois afinal eles tem qualquer idade, mas preferir manter o texto associado a idade com base na demografia que deu origem a carta para efeito literário.

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Casa

Calça jeans rasgada estreita na altura da canela, mas um pouco folgada na sua cintura. Camiseta preta e longa. Moletom cinza com capuz e ziper. Barba por fazer. Cabelo raspado. Fones nos ouvido sem nenhuma música. Tênis escuros de sola branca meio encardida.

Caminha sob um piso de granito também encardido. Cada passo em um ritmo calmo, inspira… Expira…

Foi até o guichê e comprou dois bilhetes, desviou de desconhecidos e inseriu um deles na catraca, deixou-se rodar. Caminha para direita simplesmente por que sempre fazia isso, desceu as escadas com pressa, deixando o peso do seu corpo em queda puxar o ritmo. Aterrissou num chão sintético, preto com bolhas pretas, antiaderente. Caminhou até o final da plataforma.

Ouviu de longe o atrito entre o trem e os trilhos, seu corpo parado no exato lugar em que a porta viria a se abrir ao toque de uma campainha rápida de dois tons. Projeta seu corpo para o banco da janela no sentido que o vagão seguirá os outros vagões.

87 quilômetros por hora, é a velocidade média em que a cidade corre para trás da janela. Os olhos vidrados no nada, a melancolia de um espaço público transformado em um momento de isolamento. Os problemas passam nesses 87 quilômetro por hora.

Levanta o corpo imóvel a mais de 20 minutos e se põe em frente a porta, ao ouvir a campainha rápida de dois tons atravessa a plataforma sem correr e entra em um novo vagão. Sentido oposto, sem espaço para sentar se coloca ao lado da porta. De pé. Olha as minúcias das pessoas em sua volta. Três estações se passam e seu corpo já sabe o caminho para aquela ingrime escada rolante que termina em roletas e pessoas que veem e voltam como ondas.

Tira os fones do ouvido com um sorriso calmo no rosto, vesti o capuz do moletom e sai pela esquerda enquanto some nesse mar de pessoas.

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Três Minutos

São três e trinta e sete da manhã. Noite quente de verão, na rua passa dos 30 graus. Acordei a pouco devido ao calor, minha mente não conseguiu aliviar a tensão e se permitir cair nas graças do inconsciente.

Faz tempo que não escrevo, os dedos parecem estar um tanto quanto enferrujados. Uma gota de suor roda por de trás do meu joelho e chega rápido ao meu calcanhar. São três e quarenta da manhã, já tomei um banho gelado e nada. Sempre durmo nu nessa época do ano, qualquer micro centímetro de tecido além do lençol faz com que meu corpo mine.
 
Noite turva hoje, não consigo ver o céu direito, mesmo com as luzes apagadas do lado de fora, poucas estrelas brilham. Volto pra frente do ventilador, são três e quarenta e três, eu aumento a sua potência e sinto o vento artificial brincar com os pelos do meu peito.
 
Caminho até a geladeira e procuro por algo que não existe, ansiedade, acabo por me contentar com uma imensa garrafa d’água. Engulo tudo e deixo escorrer um pouco pelo meu corpo, confesso que desde criança amo a sensação d’água gelada encontrando o caminho pela minha pele até o chão. São três e quarenta e seis.
 
Já escrevi tantas histórias ao passar dos anos, chega uma hora que parece que seu corpo seca. São três e quarenta e nove. As histórias não fazem mais parte de ti, talvez seja hora de ser menos Frida Kahlo e mais Salvador Dalí. Talvez … 
 
Minha bateria logo vai acabar, acho bom ficar por aqui. São três e cinquenta e dois de uma madruga tão quente que me despertou.
* Imagem por Derek Fernandes.
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Canhoto

As pontas soltas do teu cabelo estão se desprendendo do meu peito
Peito repleto de pontas soltas, que se vão com o tempo.

 

Estou ficando pelado de passado,
Parece que as portas que eu deixei aberta estão se fechando enquanto me afasto pra dentro de casa.

 

Estou ficando sozinho de forma exponencial. To expurgando cada dúvida dos meus ventrículos. To mandando você embora de maneira inconsciente, embora de uma forma bem consciente.

 

Memórias são leves substâncias que carrego comigo, mas para que a culpa? A dúvida de um futuro alternativo? A nostalgia de um passado que já não deu certo? Maldição do e se…

Sinto-me caminhar para algo diferente, direção nova que não via antes, me posiciono na bifurcação e escolho o caminho da direita do meu peito, é tempo de descansar meu lado esquerdo.


* Imagem por Leco Vilela.

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