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Autor: Leco Vilela

Chuva

Aaron Kawai (sekushy)

Lembro-me de um livro que se chamava “A propósito da chuva”, não me lembro do que se tratava, mas sei que o li quando ainda estava no ensino fundamental. Eu era um garoto estranho, de aparelho, acima do peso e triste.

Sei que quem me conhece e lê o Nome da Coisa dirá que é mentira, pois já me viram arrancar tantos sorrisos, mas isso é por que de fato fazer outra pessoa sorrir é algo mágico pra mim e eu gosto quando vejo a boca se horizontalizar, isso me faz bem.

Teve uma vez que eu quebrei um vaso de cimento, que minha avó cultivava umas plantas, com a cabeça de uma prima minha. Ela chorava. Eu sem pensar duas vezes me joguei da escada mais próxima e ela riu. A verdade é que eu sempre soube cair, talvez seja meu corpo acostumado a ser roliço, então fazer aquilo, embora parecesse loucura, era algo simples para mim. Ela gargalhava.

Quando eu olho para o meu passado eu percebo que já me joguei muitas vezes dessa escada a fim de fazer alguém sorrir.

Existe um poema sobre um palhaço que ao se despir vai explicando sobre as tristezas e fraquezas por detrás do nariz vermelho. Identifico-me.

Sou triste sim, mas sou feliz também, acredite, coexisto bem nesse espaço dramático. Gosto de músicas sobre as desilusões da vida, da estética depressiva do cinema francês ou ainda dos lamentos das canções de marinheiro.

A verdade é que eu sempre fui assim, um cara estranho, que mesmo triste, sorri.
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3 de Copas

Eram três andando pela rua. Sorriam.

Caminhavam entre os prédios altos e as ruas estreitas da capital, a sombra dos prédios mantinha o caminho gelado, assim como a chuva provocada pelos inúmeros aparelhos de ar condicionado.

Já tinham quase trinta, mas ainda eram crianças, empurravam um ao outro como quem, por graça, faz o outro perder o equilíbrio. Eram amigos, confidentes… amantes.

Encontraram-se há pouco tempo, antes disso andavam separados a procura de um, mas foi nas curvas do dois que acharam suas metades. Definitivamente eram plural.

Na rua andavam sem medo, viviam acima de tudo. O povo em volta por sua vez temia. De alguma forma a existência daqueles três os amedrontava, o desejo de expurgar aquilo do todo era maior, maior que o amor que poderia existir fora dos limites da normalidade.

Aqueles três não eram homens ou mulheres, eram apenas crianças com seus quase trinta.

Os prédios não são feitos para as crianças.

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Cobre

Era uma tarde sem vento, as nuvens paradas pareciam algodão lá em cima. Buzinas, pássaros, motos e latidos. Fazia barulho, mas numa escala reduzida, como se todo o planeta tirasse um cochilo.

A dúvida pesava sua cabeça, não sabia ao certo para onde ir, o que fazer; estava parado em um tempo de espera e sua ansiedade o levava a loucura. Criava mundos e os destruí conforme esmagava o papel com suas mãos. As bolas, geometricamente imprecisas, cobriam agora boa parte do chão.

Queria ser um gênio, como aqueles que aos vinte e tantos faziam riquezas e renomes, aqueles que ganhavam prêmios sem, aparentemente, fazer esforço algum. Seus dedos corriam ligeiros a espera de uma aventura que não se constrói linearmente, mas só lhe restava o fino papel amassado.

Estava quente e o suor era inerente ao seu esforço físico. Sua pele tomava notas salinas, já estava sem camisas e com o pé nu a tocar no chão, mas mesmo assim seu corpo jorrava. O líquido que escorria por seus poros lhe dava um tom brilhante que ressaltava suas curvas e ângulos.

Silêncio. Frustrado se pós de pé em um pulo, tirou a única peça de roupa que o mantinha no mundo civilizado. Nu caminhou até o chuveiro e deixou que a água gelada caísse sob sua cabeça. Esperou que talvez aquela queda d’água também levasse seu medo, sua impaciência e por que não sua impotência, assim como levava o suor de seu corpo acobreado.
 

De pé e sem pressa se deixou banhar.

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Em mar aberto

Rio de La Plata – Argentina

E quando você olha para o lado e nada mais te segura, você pula?
 
Pensar em pular já é um ato de coragem, alguns nem mesmo perceberiam essa janela. Mas você percebeu e agora pensa, será que eu pulo? Será ?

Chegar neste momento da escolha já representa um rompimento, afinal você está consciente da questão. Decidir ignorar o desejo do salto também é um ato consciente, logo independente do que você escolha, pular ou não pular, existe o você antes e depois da vontade.

Portos só servem para descarregar, o resto é mar.
 
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SacoCheio.com


Frida Kahlo

A verdade é que eu fico horas atualizando a timeline na esperança de que algo incrível acontece, de que alguém incrível me conheça, de que talvez o universo desapareça.
Conto quantos seguidores eu tenho, quantos amigos mantenho, quantos + se agrupam nas minhas produções. São likes que se tornam dislike. Na vida real não existem downloads.
Eu espero aqui sentado que a vida acompanhe meus dedos e se torne algo interessante a ser contado. São mais de vinte palavras por segundo.  “Oi, tudo bem? Novidades?” e aí está o começo de boa parte das minhas conversas.
Tem as caras no livro, tem os piadores, tem os compulsivos por murais e é claro tem os ouvintes crônicos. Ta ficando um pouco chato isso tudo.
Tá ficando sem graça isso tudo.
Tá broxando a cada tecla.
Tá desaparecendo.
Tá indo.
Foi.
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