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Autor: Leco Vilela

O porque deu ir embora

Eu estava quebrado quando eu decidi partir, alguma coisa dentro de mim não encaixava, não me sentia inteiro, presente, com amigos, família, casos… Eu não me sentia completo quando comprei aquela passagem só de ida. Cada parte do meu corpo me pediu pra sair dali, vibrava pedindo um tempo, uma espaço da situação. Acho que eu só precisava disso, olhar tudo de uma distância física. Eu precisava me desplugar de tudo, afastar todos os vínculos e afetos para conseguir me ouvir. Eu me sentia horrível querendo tão desesperadamente sair de uma situação que me deixava desesperado.Eu me culpei durante muito tempo por ir, por cortar esse vínculos, hoje frágeis, provavelmente por causa disso. Mas eu precisava ficar sozinho, às vezes é o que eu preciso. Como naquele meu aniversário, em que eu peguei uma carona por três horas só pra ver o mar no dia do seu aniversário. Tem anos que é fácil lidar com isso, mas tem dias que dói meu corpo todo. Nesses dias eu preciso ficar sozinho. Por que tanta culpa e autoflagelo? Por que ser tão difícil e tortuosa a decisão de respeitar a própria vontade? Aceitar a necessidades pura e simples de se afastar, não é como se eu deixasse de amar assim de repente as pessoas que deixei pra trás. Foi todo um processo que minha vida me levou e eu só fui dizendo sim. Sim pra mim, pra mim, sabe? Dizer sim, sim pra mim! Parece simples agora, né? Dizer sim para si! Mas é complicado para um cacete. Entender o qual das vozes da sua cabeça é você, qual é seu pai, seu menino, sua mãe. são tantas, mas tantas vozes falando ao mesmo tempo. As vezes me sufoco, me afogo entre minhas próprias sílabas. Então, não, não é fácil dizer sim pra mim, pois isso implica a total consciência sobre minha identidade, o meu completo gozo de faculdades mentais, mas a essa altura do parágrafo você já nota a minha insanidade em cadeia lógica. Você percebe como um um conto vira prosa? Como floreio minha visão sobre o mundo. Essa é a hora que eu devo culpar a minha vênus em peixes? Ou devo ser sincero e dizer que eu me afastei porque eu precisava aprender a me amar.

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Quando o date é bom

Foi um encontro despretensioso, assim como o lugar escolhido, o Igrejinha, um bar na Fernando de Albuquerque, quase esquina com a consolação. era um espaço iconoclasta com luzes baixas e música alta.

Não era a primeira vez que ia naquele espaço, inclusive conhecia um dos garçons, um moreno alto, com sorriso simpático que além de pegar os pedidos flertava com todes que ali frequentavam. 

A conversa era boa, pelo menos isso, tinha saído com tantos caras com um papo meio bosta ultimamente, ou então homens que só falavam de trabalho, assunto gatilho para se lamentar, era muito bom ouvir e ser ouvido. Falaram de cinema, séries, tatuagem e etcetera. Ambos estavam interessados um no outro, mas era um interesse contido, discreto.

Pelo menos até o primeiro beijo. Foi faísca na certa. Riam, se acariciavam e aos poucos o que estava contido foi desabrochando, alargando, tomando conta do espaço, até o momento que o único caminho possível era o quarto.

O sexo começou no caixa mesmo, se encoxavam enquanto pagavam a conta. Depois a caminho do metrô beijos intercalados por passadas de mão rápida por entre as pernas, as bundas que pediam por agarrões e os lábios que se mordiscavam mesmo quando estavam separadas, cada um de um lado do vagão do metrô.

Quando chegaram no quarto não tinha espaço pra mais nada além da doce animalidade da qual fingimos domar. Cederam enfim a tentação das bocas cruas, ele mergulhou no poço escuro e tocou fundo o outro pomo de adão. Lhe cuspiu na boca e meteu com força. Ficaram ali por horas a fio. Gemidos em esse com som de xis, ele gostava muito disso.

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Ah mar

É difícil imaginar cidades que não se abrem ao mar. Faz bem uns 4 dias que estou em Portugal e algumas cidades litorâneas botam-se distantes do mar naturalmente próximo, acredito que a história os ensinou a ter um respeito conquistado pelo medo.

Eu não sei bem como, mas sempre sei exatamente pra que lado é o mar. Ontem andando pelas ruas noturnas de Aveiro senti minha boca encher de sal. A brisa trouxe o gosto de mar aberto e dessa forma simples meu corpo já sabia onde encontrar o mar.

Quando fico muito tempo sem sentir essa água salgado na minha pele me dá coceira, siricutico, e quando a linha do horizonte some no azul dos olhos eu corro tirando a roupa, fazendo a benção na beirada e jogando a água na nuca e pulsos para avisar meu corpo o que esperar do salto pro infinito das ondas.

Não posso entrar com pulseira ou brinco no mar, mainha já pede presente e leva tudo que não dá mais pra lavar. É engraçado, do nada só sinto meu braço puxar e tchau cordão de amarrar.

Sendo honesto, na minha primeira viagem para além mar, minha maior curiosidade era se Iemanjá chegava até lá, besteira eu sei, mas ver o outro lado dela e entender que é o mesmo lado que eu vejo cá. Somos cercados de mar, essa é a verdade, saber onde ele está não é difícil, é só apontar para qualquer lado que inevitavelmente você chegará lá.

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Quando eu digo que amo

Ao usar a palavra amor
dentro de me mim eu clamo
do lugar mais puro e honesto
que num breve momento, mesmo que de uma vida,
sua existência é tão importante quanto a minha.

Significa que eu faria tudo por você e para você.

O que me dói saber é que com esse poder em mãos
alguns escolhem agir sem responsabilidade 
e por livre e espontânea vontade escolhem
Valer-se dessa brecha entre o meu universo e o seu

Colonizadores de afeto
Doutrinam
Conduzem 
Retalham
Reinventam a história e se fazem mártires
Frágeis vítimas da sua dúvida.

Que na verdade, lá dentro sente
que não é contente
Ora, reza, implora pra que aquilo não seja amor, 
embora talvez nunca tenha visto ele em outra forma.

A quem tome o amor, tal qual uma propriedade,
clama inclusive a deus, para lotear sua extensão.
Escolhem quem pode amar ou não
Dizendo que alguns amores
são menores
são escassos
são pecados.

Eu honestamente gostaria poder abraçar o mundo
acolher cada coração partido
cada indivíduo que pensa que não tem direito ao afeto,
Independente de cor, sexo ou credo.

Queria que minha língua soltasse sílabas que afagassem a dor e a dúvida
Queria poder mostrar o quão frágil e lindo é a relação com o outro.

No espaço de um braço gerasse um novo indivíduo,
Um ser que vai crescer e se desenvolver
e que precisa
por favor
precisa saber como amar.

Amor que não machuca, 
mas quando o faz olha nos olhos 
pedindo desculpa e confessa
lamenta pois não queria te ver sofrer, 
mas às vezes não tem como.

Amor que levanta a mão
pra dizer chega, vamos falar disso outro dia
Deixa a cabeça esfriar
Não vale a pena brigar

Amor que dura além de uma conversa,
que entende que não há uma única verdade
e ouve mesmo quando acha
que não tem motivos para.

Mas além de amar os meus 
e falar do meu amor pros outros
só me cabe as palavras.

Mas não se engane 
escrevo elas com o coração apertado
e torcendo, talvez até rezando
pra que todo mundo entenda
que seu amor é puro
que seu amor existe
e que você é digno.

Por favor, acredite, você é digno de afeto.

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Lugar de Fala

Como posso eu abrir minha boca pra contar as mazelas do mundo quando o mundo tem sido tão bom comigo?

Tô vivo, diferente de Marielle.
Não sou negro e nem mulher, como Djamila.
Sou um pessoa com um corpo cis tradicional, diferente de Leandra.

Então o que eu posso escrever de tão relevante assim?
Por que minha voz merece ser ouvida mais do que as pessoas que realmente precisam ser compreendidas?
Que voz é essa e o que ela quer dizer?

A única coisa que eu sei
é que eu preciso que minhas letras possam ir além da mediocridade.

Como garantir que minha vivência construa narrativas complexas, epopeias sólidas?
Sou apenas mais um rapaz indo-afro-latino americano.
E apresento em mim toda complexidade dessa mistura de ancestralidade.
Quando rezo é torre de babel
É arcanjo conversando com orixá
É caboclo ensinando cavalo a rodar.
Qual métrica poética utilizar?
Qual cadência seguir? Qual ritmo dar?

Como discorrer na folha branca o que trava minha garganta?
Apertada e áspera,
ácido dissolvendo a pouca noção de gramática que me resta.

Já tentei espalhar palavras de amor e gratidão na esperança de ver fertilizar a consciência no terreno quase infértil que se mostra a humanidade desde a nossa criação.

Mas ainda assim não achei o tom.

Percebe, eu achar que o mundo foi bom comigo mesmo tendo quase morrido,
sido agredido
pulado córrego ao invés de corda.
Mas ainda assim entender o meu lugar na hora de falar
E ter que ouvir você dizer que não sabe certo como se comportar na presença de um corpo que é diferente do seu, que te causa estranheza.

O que me causa estranheza
é fome e pobreza
num país que o que mais é chão
Terra batida ou não.

Evoluímos, sem dúvida,
Mas ainda estamos nos atropelando na hora de falar
quando o que mais precisamos fazer é escutar.

Escutar Marielle
Escutar Djamila
Escutar Leandra

É só escutar!

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