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Categoria: Vida

Chuva

Aaron Kawai (sekushy)

Lembro-me de um livro que se chamava “A propósito da chuva”, não me lembro do que se tratava, mas sei que o li quando ainda estava no ensino fundamental. Eu era um garoto estranho, de aparelho, acima do peso e triste.

Sei que quem me conhece e lê o Nome da Coisa dirá que é mentira, pois já me viram arrancar tantos sorrisos, mas isso é por que de fato fazer outra pessoa sorrir é algo mágico pra mim e eu gosto quando vejo a boca se horizontalizar, isso me faz bem.

Teve uma vez que eu quebrei um vaso de cimento, que minha avó cultivava umas plantas, com a cabeça de uma prima minha. Ela chorava. Eu sem pensar duas vezes me joguei da escada mais próxima e ela riu. A verdade é que eu sempre soube cair, talvez seja meu corpo acostumado a ser roliço, então fazer aquilo, embora parecesse loucura, era algo simples para mim. Ela gargalhava.

Quando eu olho para o meu passado eu percebo que já me joguei muitas vezes dessa escada a fim de fazer alguém sorrir.

Existe um poema sobre um palhaço que ao se despir vai explicando sobre as tristezas e fraquezas por detrás do nariz vermelho. Identifico-me.

Sou triste sim, mas sou feliz também, acredite, coexisto bem nesse espaço dramático. Gosto de músicas sobre as desilusões da vida, da estética depressiva do cinema francês ou ainda dos lamentos das canções de marinheiro.

A verdade é que eu sempre fui assim, um cara estranho, que mesmo triste, sorri.
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Em mar aberto

Rio de La Plata – Argentina

E quando você olha para o lado e nada mais te segura, você pula?
 
Pensar em pular já é um ato de coragem, alguns nem mesmo perceberiam essa janela. Mas você percebeu e agora pensa, será que eu pulo? Será ?

Chegar neste momento da escolha já representa um rompimento, afinal você está consciente da questão. Decidir ignorar o desejo do salto também é um ato consciente, logo independente do que você escolha, pular ou não pular, existe o você antes e depois da vontade.

Portos só servem para descarregar, o resto é mar.
 
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Vagalumes


m78

São onze horas e a lua desenha um largo retângulo no chão do meu quarto. A Janela escancarada é um convite para que o vento resfrie minha pele morena do sol. Estou deitado de bruço e com a cabeça pesada de tanto pensar.
Aproveito que já estou nisso e penso. Penso em como pude deixar o tempo passar assim. Penso em como fui inocente. Penso em como fui inconsequente.
Seu perfume barato colado no lençol da cama. O sono não vem. A cabeça agora pesa tanto que chega afundar o colchão.
Me canso e mando esse tal de pensamento pras cucuias. Cara chato esse que chega sem ser convidado, pesa na minha cabeça e me faz perder o sono.
Eu vou é pra rede fingir que as estrelas são vagalumes que ficaram presos no céu.
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Sozinho

Derek Fernandes

A chave penetra na fechadura e gira. A sala mal iluminada com algumas roupas jogadas no sofá tem um cheiro de lugar seguro. Ninho. Ele joga sua bolsa no chão e tira a camisa enquanto anda pro quarto.

Amanhã é dia de lavar a roupa, acusa o balde de roupas sujas. Ele chuta os tênis velhos para debaixo da cama e faz cestas com o par de meias, abre o zíper e a calça escorrega silenciosamente sem se importar com os pêlos da perna. Vai até o rádio e aperta o PLAY. Ele arranca a cueca e caminha pelado para o banheiro, o barulho da urina no vaso o diverte.

Liga o chuveiro e ergue a cabeça para que as primeiras gotas caiam sobre sua testa, ele gosta de sentir as gotas passeando por todo seu corpo. Ele encosta a testa no azulejo frio e deixa a água livre fluir. O sabonete se dissolve em pequenas bolhas limpando sua pele suada, retirando dele seu cheiro de homem usado.
Ele deixa a toalha secar seu corpo enquanto o vento frio lhe arrepia a pele. Cai nu na cama e se deixa adormecer enquanto a música toca.
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CRASH

Ensaio – Foto por Carolina Loureiro de Brito
Eram quase cinco da manhã e aos poucos o azul do céu clareava. 60 Km/h. Minha mente vazia e embriagada corria. 90 Km/h. O choro veio como que por inércia, apareceu sem ser notado ou até mesmo convidado.
Meu corpo estava a 150 Km/h. Meu pé pesava contra o pedal. Era o silêncio seguido por uma chuva fina de cacos de vidro.
E como uma bailarina, o carro rodopiava, dando um salto para o seu cavalheiro. Foram três rodopios capotados. O cinto abraçava minha cintura larga. O choro seco me atormentava, tive medo de respirar. No final da dança eu estava inteiro, intacto, ileso…
O que me deixa mais feliz é saber que na hora em que morremos é tudo tão rápido que mal sentimos.

*Dedicado a Felipe Paludetti e Vicente Júnior

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