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Nome da Coisa Posts

Uma boa história

Ele põe seus óculos com aro preto. Senta-se na frente do computador e começa o ritmado jogo de teclas. Ele pensa, estrala os dedos e rói a pele envolta deles.

A idéia precede o ato de escrever, é necessário uma idéia fixa, um ponto de interrogação, uma ponta interna que às vezes chega até a doer; então como quem não quer nada põe-se a escrever. Expressa-se.

Às vezes quem ajuda o ato é o silêncio, outras vezes a música se faz necessária. Cria-se um clima. Imaginem:

“gêmeos de alma correrem pelo pasto verde com o sol a fazer sombra em seus corpos ascendentes”.


E pronto você já tem um inicio, uma idéia, uma hipótese.

Agora é necessário chegar até o fim dela. Sem um final a história lhe incomoda por dias, ela pede para ser terminada, ela clama por uma conclusão plausível, veja bem PLAUSIVEL, não boa ou ruim, mas plausível. Uma história não é dicotômica, ela não briga entre o bem e o mau enquanto é escrita, ela simplesmente é o que os dedos fazem dela.

Algumas histórias surgem de cadernos com as canetas de pontas finas. As canetas de pontas finas são as minhas favoritas. Elas parecem correr pelo papel e às vezes escrever coisas que nem nos demos conta que pensamos, muitas vezes são mais rápidas que os dedos.

Enfim, ele põe seu óculos ao lado, esfrega os olhos, respira fundo e revisa o texto, uma, duas, três… Quantas vezes o texto lhe pedir. Corrige, arruma, tenta limpar as imperfeições e manter o coração pulsante do próprio texto, que é independente da sua vontade. Depois de escrito, o texto já não é mais dele. Depois de tudo isso feito, de toda essa história, pode-se ter a chance de ter uma boa “história” para contar.
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“… nem por falta, nem por excesso…”

Gosto do som que vibra das cordas do violão, do sol que bate no rosto, do suco de uva que cai pelo queixo. Gosto do samba que estava tocando, da vitrola que estava rodando.

Do cheiro de grama molhada e das costas suadas. De nós dois brincando na poça d’água, da guerra de lama naquela tarde aguada. Da rede abraçados enquanto ventava. Da sua voz a cantar aquela música inventada.
E quando a noite chegava e o fogão estalava, o cigarro verde queimava. Frida Kahlo, Gael Garcia, Marisa Monte e eu fugindo das aranhas que brincavam em teias em cima da cama.

Eu tinha medo e você sabia, mas mesmo assim faziamos sons com a boca enquanto nos beijavamos. E ao som dessa orquestra desastrada, dançavamos.

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A mulher de braços fortes

A mulher com braços largos põe-se em pé lá pelas 4 da matina. Seu corpo ainda sentido da labuta do dia que se pos, acorda. Levanta-se e alimenta sua cria.
Os mesmos braços fortes lá pelas 6 do mesmo dia estão agarrados nas grades do metrô. Nesse ato cotidiano é que ela encontra seu lugar, no meio de corpos que lotam seu entorno, ela vive o seu espaço. Na ida e na volta são seus braços grossos que impõe seu espaço.
Trabalha, cria, sustenta, faz… Tão acostumada a ser guerreira, tão acostumada a despir-se de seu seio. Fez amazonas de si mesma. E há de morrer assim, com seus braços encorpados a lutar por si.
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O Elevador

Ela, presa em cinco metros quadrados. O escuro e seis vultos de ombros largos. Então, como quem esperava pela dor, ela recebe o amor. Um beijo que lhe rodou a cabeça e lhe deixou as pastas caírem no chão.

Seu coração acelerado a fazia tremer levemente, mas no escuro ninguém se denunciava, nem mesmo seu tremor. Uma vida seca era exposta a cada segundo que ela permanecia presa ali. Paredes de metais não são naturais, pensava. Quanto tempo pudera viver assim? Quem secretamente lhe desejava? E por que de repente se sentia diante do liquido viscoso de uma barata como em seu livro favorito?

A dúvida, de repente só isso existia. Cinco metros quadrados se transformaram em centímetros quadrados. Sufocava. E como se seu peito abrisse e se enchesse de ar a luz se acendeu. A porta se abriu. Seis homens saíram. E ela, pois ao chão recolhendo os papeis caídos como Terezinha a espera de quem lhe de a mão.

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Assim que os pássaros cantarem

Os olhos se abrem. Vejo através da cortina esvoaçante os raios do sol que penetravam meu quarto. A primavera toma força e enfim os pássaros cantam para me despertar, assim como quando eu era criança e despertava na cama de minha avó.
Nessa lembrança um cheiro familiar de café me toma as narinas. Esperança e incredulidade. Levanto de um salto e escuto o tilintar das panelas no fogo. A porta do quarto está fechada exatamente como quando minha avó se levantava mais cedo. Ela fechava a porta para não me despertar. Os pássaros, o cheiro do café, a porta fechada e o dia que se fazia sábado.
A noite tinha sido quente e meu corpo ainda suado não parava de produzir o néctar. Da testa minavam gotas de algum sentimento sem nome. Era preciso abrir a porta, mas a que preço… Abrir e descobrir que ela não está mais lá ou não abrir e por em dúvida a minha sanidade por uma vida inteira. Respiro.
Esse ensaio sobre a sanidade fez minha testa em cascata, as gotas escorriam pelo peito que subia e descia como em um tango, devido ao ar que só agora eu percebia existir. A porta à minha frente, sem perceber a mão posta sobre a maçaneta gira.
Andei, andei sem ver mais nada, só parei ao chegar à porta da cozinha. Por um momento o choque, o susto. Suas costas nuas também suavam, a samba canção folgada salientava as curvas pélvicas que tanto me hipnotizavam, ele estava lá, em pé na frente do fogão. Ela se fora.
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